segunda-feira, 7 de setembro de 2020

 Migração

Parti há muitos anos desta terra
Para nunca mais voltar
Mas o mar devolve ao mar
Tateio a procurar um livro no escuro
Olhos se aguçam defronte ao muro
Enquanto soa o freio de uma bicicleta
De um trabalhador voltando
Tarde com a boca seca da casa
Sempre que escrevo
No escuro algo se esgota
Barcos que dormem
Nas obscuras docas
A vida é uma torrente
Deixa passar o que importa
E fica apenas o presente
Não é vento às costas
Se aves invisíveis migram
Rente às minhas encostas
A poesia pergunta
Ao mar o que seria
Sem o próprio sal?
I.J.S.F., 05/09/2020

sábado, 18 de abril de 2020

Relance

A vida é uma espera
Que aguarda o que vê passar
Os mesmos sentimentos passam
E ficamos nós a esperar

Todos querem a casa cheia
Como algo a completar
E há algo que se incendeia
Se não botamos pra queimar

Se os olhos fotografassem
Já não haveria o que esperar
E o que eles revelassem
Seria a imagem de quem se vê passar

(I.J.S.F., Sóis e Grãos, Patuá, 2019)



https://www.editorapatua.com.br/produto/76732/sois-e-graos-de-irineu-joao-simonetti-filho

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

A Pantera


"Seu olhar, de tanto percorrer as grades,
está fatigado, já nada retém.
É como se existisse uma infinidade
de grades e mundo nenhum mais além.

O seu passo elástico e macio, dentro
do círculo menor, a cada volta urde
como que uma dança de força: no centro
delas, uma vontade maior se aturde.

Certas vezes, a cortina das pupilas
ergue-se em silêncio -- Uma imagem então
penetra, a calma dos membros tensos trilha --
e se apaga quando chega ao coração."

(Rainer Maria Rilke)

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Emily


"Whether my bark went down at sea –
Whether she met with gales –
Whether to isles enchanted
She bent her docile sails –

By what mystic mooring
She is held today –
This is the errand of the eye
Out upon the Bay."

(Emily Dickinson)


"Se ao mar se foi meu barco –
Se enfrentou as procelas –
Se em busca de ilhas encantadas
Abriu as dóceis velas –

Em que místico porto
Está seguro agora –
Esta a missão que têm os olhos
Pela Baía afora."

(tradução de José Lira)

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Pessoa


"Na VÉSPERA de nada
Ninguém me visitou.
Olhei atento a estrada
Durante todo o dia
Mas ninguém vinha ou via,
Ninguém aqui chegou.

Mas talvez não chegar
Queira dizer que há
Outra estrada que achar,
Certa estrada que está,
Como quando da festa

Se esquece quem lá está."

(Fernando Pessoa)