terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

A vida assim nos afeiçoa


Se fosse dor tudo na vida,
Seria a morte o grande bem.
Libertadora apetecida,
A alma dir-lhe-ia, ansiosa: - "Vem!

"Quer para a bem-aventurança
"Leves de um mundo espiritual
"A minha essência, onde a esperança
"Pôs o seu hálito vital;

"Quer, no mistério que te esconde
"Tu sejas, tão-somente, o fim:
"- Olvido imperturbável, onde
"Não restará nada de mim!"

Mas horas há que marcam fundo...
Feitas, em cada um de nós,
De eternidades de segundo,
Cuja saudade extingue a voz.

Ao nosso ouvido, embaladora,
Ama de todos os mortais,
A esperança prometedora,
Segredas coisas irreais.

E a vida vai tecendo laços
Quase impossíveis de romper:
Tudo o que amamos são pedaços
Vivos do nosso próprio ser.

A vida assim nos afeiçoa,
Prende. Antes fosse toda fel!
Que ao se mostrar às vezes boa,
Ela requinta em ser cruel...


(Manuel Bandeira)

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